segunda-feira, dezembro 4

Teimosas Ambiguidades....

A questão da despenalização da interrupção voluntária da gravidez traz consigo profundas e teimosas ambiguidades. Para começar, a palavra “interrupção” está desprovida de qualquer sentido. Quando alguém entra numa sala e interrompe uma reunião não significa necessariamente que tivesse acabado com ela. Apenas houve um breve intervalo. Ora, o aborto (ab-ortus que significa não-nascido) não é de maneira nenhuma uma interrupção, antes pelo contrário é um fim qualificado de um homicídio antecipado. Dirão: mas quem é que matamos pelo aborto? E aqui vem a matematização do desenvolvimento humano. De facto, o aborto mata um ser humano inocente e indefeso, com uma dignidade e um direito à vida que devem ser respeitados. Mais do que um ser humano, estamos na presença de um ser pessoa.Bom, mas porque estamos diante de dois paradigmas, resta-me perguntar: afinal, o que é o ser pessoa? Existe algum critério de demarcação do ser humano e do ser pessoa? Haverá seres humanos que não são pessoas? Existe, de facto, algum momento preciso que nos garanta esta mudança? A “pessoa” é um sujeito autónomo capaz de se relacionar gradualmente e de forma dinâmica com o outro. Este “eu” faz-se diante de um “tu”. E isto acontece, inegavelmente, com um feto, tenha ele oito semanas, nove meses ou dois dias.Aonde começa a vida? Cientificamente está comprovado que no momento da fecundação do óvulo, nasce uma nova célula viva pertencente à espécie humana. Dela poderá vir outra realidade senão a do ser humano? Poderá inesperadamente evoluir para uma borboleta? Mas mesmo que houvesse dúvidas, porquê optar pela morte e não pela vida?Desejamos liberdade mas mais uma vez não estamos dispostos a pagar o elevado preço que nos é pedido: a responsabilidade amadurecida.Termino com um excerto de um artigo de João César das Neves publicado no Diário de Notícias de 2004: “Suponha que estava pacificamente a almoçar num restaurante e alguém o vinha insultar porque, ao deitar fora os caroços da sua fruta, está a destruir árvores antes de nascerem. Evidentemente que ficaria surpreendido com a acusação. É verdade que a laranja é a forma de reprodução da laranjeira. Mas ali a fruta não é semente, é sobremesa; o caroço não é uma futura planta, é apenas um incomodo na refeição. Assim se entende a indignação dos defensores da liberalização do aborto. Que do divertimento no sexo resulta um embrião que não é mais do que um percalço desagradável que, tal como o caroço, deve ser removido de forma higiénica e expedita.”

(Nuno Branco in Toque de Deus)

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